Por que é tão difícil gostar do Direito? Parte I

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Por George Marmelstein Lima – Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional

Por volta do ano de 2004, me aventurei em dar aulas. Uma experiência totalmente desafiadora para mim que: (1) nunca gostei de aulas, (2) não gosto de falar em público e (3) sou meio impaciente. Mas como tive péssimos professores na UFC (outros excelentes, é verdade), percebi que, mesmo com muito esforço, não conseguiria ser pior do que alguns desses “professores” que “ensinam” na Federal. Então, achei que valia a pena tentar.
Naquela época, ensinando Direito Constitucional na Faculdade Farias Brito, escrevi o artigozinho abaixo, dirigido para os alunos do segundo semestre. É um texto despretensioso, cujo objetivo é tão somente tentar motivar o estudante de direito na fase inicial de adaptação ao mundo jurídico.

Penso em incluir este texto no Curso de Direitos Fundamentais, na chamada “Parte Zero”. Sem mais lenga-lenga, vamos ao texto:

Por que é tão difícil gostar do Direito? Conselhos para estudantes de direito com crise vocacional

“Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Vinícius de Moraes

“Hoje é a semente do Amanhã.Não tenha medo que esse tempo vai passar.Não se desespere / Nem pare de sonhar.Nunca se entregue / Nasça sempre com as manhãs.Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar.Fé na vida / Fé no homem / Fé no que virá.Nós podemos tudo / Nós podemos mais.Vamos lá pra ver o que será”
Gonzaguinha, “Nunca Pare de Sonhar”

1. Ubi Societas, Ibi Jus:

“Ubi societas, ib Jus”. Quase todos os livros de introdução ao estudo do direito começam com essa frase em latim que significa que “onde há sociedade, há o direito”. Para não ser diferente, resolvi começar este texto com a mesma frase, mas não para comentá-la e sim para criticar. Não será uma crítica sobre o conteúdo da afirmação, mas sobre a forma em que ela é apresentada. Por que em latim?
Já a primeira leitura de um estudante de direito recém-ingresso retrata que a profissão que ele escolheu é formalista, dando a impressão de que é preciso saber latim, ou fingir que sabe latim, para ser um bom profissional.
Depois do latim, começam a aparecer várias palavras estranhas que acompanharão o estudante por toda a sua vida acadêmica e profissional. Jurisprudência, legítima defesa putativa, exclusão de antijuridicidade, interdito proibitório, repetição de indébito… enfim, é uma salada de esquisitices que assustam num primeiro momento. E, para piorar, ainda ficam inventando sinônimos para palavras bem simples. Por exemplo, interpretação tem um monte de variantes: hermenêutica, ilação, exegese (esta aqui, cada um pronuncia de uma forma diferente). Constituição vira Carta Magna, Lex Fundamentalis. E assim fica aquela impressão de que é preciso falar e escrever difícil para ser um bom jurista.
Ao longo do curso, esse “esnobismo” vai se acentuando. As obras jurídicas ou mesmo as palestras de juristas parecem um verdadeiro concurso de demonstração de conhecimento de palavras complicadas. Então, conseguir ler um livro jurídico torna-se um tormento, até que chega o momento em que o estudante se acostuma com as palavras e dispensa o dicionário. A partir daí, esse estudante – que pode ser considerado, agora, um verdadeiro dicionário ambulante, cheio de “data vênia”, “a priori”, “ad causam”, “ex vi”, “outrossim”, “destarte” – continuará o legado de seus mestres, escrevendo e falando em linguagem empolada e orgulhosamente compreendida por apenas um círculo mínimo de pessoas, como se fosse a coisa mais normal do mundo. É um círculo vicioso difícil de quebrar (mas não impossível!).
As frases em latim e as palavras difíceis podem ser consideradas o primeiro banho de água fria no estudante de Direito.
Muitos conseguem ultrapassar tranqüilamente a essa fase de crise vocacional, até porque já existe uma imagem popular que reforça essa necessidade de ser “orador” para ser um bom profissional jurídico. Outros, porém, já nessa fase, desistem, sem saber que existe muita coisa interessante no Direito em que não são necessários brocardos latinos ou verborragia sem sentido.
Como dica para conseguir ultrapassar a essa fase, recomendo que não dêem muita importância à linguagem jurídica logo no início do curso. Acredito que já está havendo muita melhora nos textos jurídicos (não sei se já me acostumei, mas o certo é que vejo muitos livros “fáceis” de ler) e, com um tempo, serão poucos os autores que continuarão fazendo citações em latim e escrevendo difícil.

Continua...

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