A primeira coisa a fazer é matar todos os advogados...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Convenhamos, é fácil odiá-los: falam enrolado, muitas vezes defendem pessoas que odiamos e que ‘temos certeza’ que cometeram crimes, usam argumentos que parecem brincar com nossa inteligência, precisamos da ajuda deles quando estamos mais vulneráveis, ganham bem para isso, e ainda por cima andam sempre de terno e gravata no que só pode ser descrito como ‘engomadinhos’ (ou seria 'almofadinhas'?).

Não admira que advogados sejam tão execrados: representam tanto o que desejamos ser e obter individualmente (daí o incrível número de estudantes de direito) e aquilo que nos avilta como sociedade.


Ao assistir às defesas e às intermináveis discussões sobre a forma do julgamento, as possíveis nulidades que daí poderão surgir, os estratagemas para atrasar o julgamento e evitar o voto do ministro que está para se aposentar, a maior parte das pessoas acaba concordando com Dick, o açogueiro, personagem de Shakespeare na peça Henrique VI, que dizia que “a primeira coisa a fazer é matar todos os advogados”

À primeira vista, pode parecer que o papel do advogado é exatamente o de atrapalhar o julgamento, impedindo que a justiça seja feita no caso concreto.

Mas não é bem assim. Advogados desempenham funções importantes na democracia.

A primeira delas é a de cuidar dos interesses dos clientes para que, nos julgamentos, o Estado não ultrapasse os limites do direito, o que é ainda mais fácil de ocorrer nos processos criminais e naqueles processos em que o Estado não é apenas o julgador da causa, mas também aparece como autor, na figura do Ministério Público.

Nessa função, o advogado é o guardião do próprio Direito e sua atuação tem por finalidade impedir que o Estado ultrapasse os limites da lei. É claro que nessa atuação, erros podem ocorrer (e ocorrem) e culpados são inocentados.


No entanto, esses erros são mais raros e menos graves, na visão do legislador, do que os ocorreriam se não houvesse advogado de defesa: os inocentes sendo julgados culpados, sem possibilidade de proteção.

Foi exatamente para evitar esse tipo de erro que o Supremo Tribunal Federal excluiu um dos réus do julgamento do mensalão. Durante parte do processo seu advogado não foi intimado, deixando  sua defesa prejudicada.

A segunda função do advogado é participar do 'processo dialético' da busca pela verdade. Ou seja, a verdade no processo nasce do embate entre duas posições contrárias. Não é à toa que o símbolo da Justiça é uma balança. Ela representa exatamente esse jogo de forças opostas na busca do que é correto: a verdade. O advogado precisa ser parcial e deve se valer de todos os meios legítimos a seu alcance para defender a posição de seu cliente. Da mesma forma que a outra parte também age com parcialidade.

O juiz, esse sim, deve ser imparcial. Mais: ele depende da atuação dos sujeitos parciais do processo para que lhe tragam os argumentos e as provas num e noutro sentido, os quais são analisados na busca da solução mais justa. Da mesma forma que a balança, quanto maior a força do argumento da acusação, maior deve ser a força da atuação da defesa para se atingir o equilíbrio necessário para um julgamento justo.


A terceira função, e uma da qual sempre nos esquecemos, é a de nos mostrar onde nossas leis são falhas. E aqui a função dele já não é mais restrita a conceitos abstratos (como ‘justiça’) ou concretos mas restritos a poucas pessoas (como o direito das partes envolvidas). Ela diz respeito a cada um de nós de uma forma muito concreta. Ao nos mostrar onde as leis têm lacunas, eles nos obrigam a refletir a respeito e melhorá-las (ou aceitarmos convivermos com leis medíocres).

Se a lei não consegue prender o criminoso porque o advogado usou uma brecha legal para livrá-lo, a culpa não é do advogado (essa é a função dele): a culpa é da lei. Ou, mais precisamente, de quem faz a lei: nossos parlamentares. Ou, ainda mais precisamente, de quem elege nossos parlamentares: nós.

Se não gostamos do resultado da aplicação da lei, devemos mudar quem faz as leis. Não podemos culpar os advogados por nossa incompetência como eleitores, da mesma forma como não podemos culpar a prova do vestibular por não termos estudado o suficiente para passarmos.

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